"Ele era o que
Era e não era
O que estava
E não estava
O que queria
E não queria
O que fazia
E logo desfazia
Porque já
Nada lhe dizia
Ele era
O que respondia
Não e sim
E nim
Porque já
Acreditava em tudo
E em nada
Ele era
O que sonhava
Julgando
Que vivia
Correndo
Correndo
Por dentro
E por fora
E a toda a hora
Sem saber
Porque o fazia
Ele era um
Luarizado
Disfarçado
Que há
Muito já
Se havia passado
Para o outro lado
Para um outro
Mundo
A treze dimensões
Porque neste
Em que vivia
Só a quatro
Era um enjaulado
Um míope
Que não passava
De um simpático
Quadrúpede
Com as pás levantadas
Ele era o desassossego
O aéreo
Inconstante
Irrequieto
Ansioso
Impetuoso
Vulgo
Um doido varrido
Ele era tudo
E não era
Nada
Porque nada
É tudo
Ele era
Um furibundo
Desvairado
Incontido
Que só tinha
Tudo
Quando não tinha
Nada
Só, só ... , solitário
Dramaticamente
Só
Apenas intuindo
Sinais discretos
Silenciosos
Indecifráveis
Que vêm
Das pequenas
Grandes coisas
Feitas de nadas
Ele era um estorvo
Um estranho um
Incómodo terráqueo
Sempre trancado
Dentro de si mesmo
Distante
Absorto
E que tinha
Dificuldade
Em cantar
À capela
Colectivamente
Ele era o que
Era e não era
Porque andava
Sempre diluído
Entre o ser
E o não ser
Ele era a certeza
E a incerteza
Incertas
E quanto mais
Saber ele queria
Menos sabia
Ele era o que
Era e não era
Refugiando-se no
seu perfil baixinho
E gostava muito de
Dançar
Mas sozinho
E já não tinha horror
Às infinidades e
Infinitesidades
Porque sendo reais
Estavam-lhe longe
E perto demais"
Desassossego Compacto - Ernesto Ladeira