sábado, 6 de junho de 2009

Nunca tinha lido este poema e finalmente percebi de onde vem este tranquilo desassossego...

"Ele era o que

Era e não era

O que estava

E não estava

O que queria

E não queria

O que fazia

E logo desfazia

Porque já

Nada lhe dizia

Ele era

O que respondia

Não e sim

E nim

Porque já

Acreditava em tudo

E em nada

Ele era

O que sonhava

Julgando

Que vivia

Correndo

Correndo

Por dentro

E por fora

E a toda a hora

Sem saber

Porque o fazia

Ele era um

Luarizado

Disfarçado

Que há

Muito já

Se havia passado

Para o outro lado

Para um outro

Mundo

A treze dimensões

Porque neste

Em que vivia

Só a quatro

Era um enjaulado

Um míope

Que não passava

De um simpático

Quadrúpede

Com as pás levantadas

Ele era o desassossego

O aéreo

Inconstante

Irrequieto

Ansioso

Impetuoso

Vulgo

Um doido varrido

Ele era tudo

E não era

Nada

Porque nada

É tudo

Ele era

Um furibundo
Desvairado
Incontido
Que só tinha

Tudo

Quando não tinha

Nada

Só, só ... , solitário

Dramaticamente

Apenas intuindo

Sinais discretos

Silenciosos

Indecifráveis

Que vêm

Das pequenas

Grandes coisas

Feitas de nadas

Ele era um estorvo

Um estranho um

Incómodo terráqueo

Sempre trancado

Dentro de si mesmo

Distante

Absorto

E que tinha

Dificuldade

Em cantar

À capela

Colectivamente

Ele era o que

Era e não era

Porque andava

Sempre diluído

Entre o ser

E o não ser

Ele era a certeza

E a incerteza

Incertas

E quanto mais

Saber ele queria

Menos sabia

Ele era o que

Era e não era

Refugiando-se no

seu perfil baixinho

E gostava muito de

Dançar

Mas sozinho

E já não tinha horror

Às infinidades e

Infinitesidades

Porque sendo reais

Estavam-lhe longe

E perto demais"

Desassossego Compacto - Ernesto Ladeira